Comentaristas na TV em extinção
Por José Nêumanne Pinto em 14/02/2014 na edição 785
Publicado no Observatório da Imprensa
Qual a hipótese mais grave e preocupante que teria motivado a demissão
de três comentaristas que atuavam nos noticiários do Sistema Brasileiro
de Televisão (SBT) – Denise Campos de Toledo, Carlos Chagas e eu –,
comunicada aos três na sexta-feira, 7 de fevereiro: a oficial ou a
paralela? O diretor de jornalismo da empresa, Marcelo Parada, me
comunicou que um tal “comitê de programação” da emissora havia decidido
extirpar a opinião dos telejornais da casa em nome do primado da
notícia. Numa versão aparentemente mais técnica, que circulou em textos
divulgados em redes sociais por blogueiros simpáticos à causa, os
comentários em questão prejudicavam a “dinâmica” dos noticiários. A
versão oficiosa, negada pelos mesmos blogueiros, era mais apimentada:
nenhuma pessoa sensata apostaria um centavo na minha sobrevivência na
emissora desde que Parada assumiu a direção.
Não é secreta para ninguém
sua notória parceria com o presidente nacional do Partido dos
Trabalhadores (PT), Rui Falcão, que não deve ser um admirador muito
fanático da independência absoluta que sempre tive no SBT nas três vezes
em que comentei assuntos políticos por lá. Da mesma forma, tinha sido
amplamente noticiada a generosidade com que a cúpula petista tratou o
momentoso episódio da falência do Banco Panamericano, empresa do grupo
Sílvio Santos. Teria sido, enfim, concluída a crônica de minha demissão
anunciada?
Bem, fofocas não pagam dívida e a resposta a essa questão só pode ser
dada com fatos. Vamos a eles.
Fui nomeado três vezes comentarista do SBT
por Sílvio Santos, que me disse admirar a forma sucinta e simples com
que explico a meus ouvintes da rádio Jovem Pan intrincados assuntos da
política.
Minha primeira passagem terminou quando Boris Casoy foi para a
Record e o patrão exterminou o departamento de jornalismo.
A segunda
teve fim com a contratação de Ana Paula Padrão, que mandou Luiz Gonzaga
Mineiro me demitir do jornal ancorado por Hermano Henning, com o qual
ela nada tinha a ver, mas faz tempo que desisti de entender esse tipo de
falta de senso de loção, como dizia minha tia louca.
Desta vez, apesar
de não ser um veterano da casa, Parada cumpriu todos os rituais da
crueldade e da deselegância na demissão dos três profissionais com
currículos que mereciam dele mais respeito.
De sua sala fui levado pela
secretária para o RH que me comunicou o encerramento do contrato com o
pagamento dos sete dias de trabalho de fevereiro. Bem, isso também faz
parte da rotina.
A descortesia a que me refiro é outra e tem história. Nem Parada nem
seu segundo, Ricardo Melo, fizeram durante esta minha terceira passagem
pelo SBT nenhum reparo a algum comentário de minha lavra – nem
contra, nem a favor, nem muito pelo contrário. Na verdade, nenhum dos
dois jamais me deu uma orientação ou algum aviso. Melo se abstinha desse
dever elementar de qualquer chefe de redação alegando que eu era livre
para dizer o que quisesse. Dizia respeitar minha livre expressão,
conquista da democracia burguesa que ele, como leal trotskista,
desprezava. Tudo bem. Também está no jogo.
Opinião e credibilidade
Agora tomo conhecimento por interpostas pessoas que fazem fofoca em redes sociais que desde outubro eu já estava fora do SBT Brasil,
“carro-chefe” do jornalismo da casa. Uma vez, interpelei Melo (por uma
questão de hierarquia e também pelo fato de que era mais comum
encontrá-lo na redação do que me deparar lá com Parada) a respeito. E
ele me deu uma resposta satisfatória: “Sílvio lhe paga salário e você
grava. E me paga para decidir se seu comentário entra ou não no jornal”.
Achei a explicação razoável e nunca mais me preocupei em conferir se o
comentário que eu gravava tinha sido editado no telejornal do horário
nobre, ou não. Não era tão importante: nunca deixou de ir ao ar nenhum
comentário que eu tivesse gravado para o Jornal do SBT e para o Jornal do SBT Manhã.
E era isso que produzia a imensa satisfação de ser apoiado e elogiado
por gente simples: garçons, porteiros, manobristas... Na certa, foi
também isso que decidiu a escolha feita pelo público em pesquisa da
Abril Educação que planejou cursos em parceria com o SBT e escalou os
três profissionais do elenco da emissora considerados de maior
credibilidade pelo público: Ratinho, Celso Portioli e eu. O projeto não
prosperou, mas duvido que tenha sido por minha causa ou dos dois
queridos companheiros citados junto comigo.
Dito isso, concluo garantindo que não acredito que Parada tenha sido
desrespeitoso com profissionais do quilate de Carlos Nascimento e
Hermano Henning, que sempre usaram meus comentários, ao desprezar o fato
chamando a atenção para minha ausência no noticiário apresentado também
por minha conterrânea Rachel Sheherazade e meu companheiro na Pan,
Joseval Peixoto. Ele não deve ter feito isso.
Ainda que saiba que meus comentários não agradam a cúpula do PT, também
não acredito que minha saída se deva a uma pressão sobre o companheiro
diretor, mesmo porque Denise e Chagas nada têm que ver com minha ousada
impertinência de todo dia. Se minhas críticas obstinadas tivessem algum
peso eleitoral, Lula não teria sido eleito duas vezes nem Dilma teria
derrotado José Serra, embora eu também não costume ser condescendente
com esses tucanos de alta plumagem.
Além do mais, a meu ver, o histórico de imprudências de Parada não
inclui a possibilidade de negar a teoria oficial do fim dos comentários
substituindo minha presença no dia a dia por algum comentarista mais
domesticado de acordo com o gosto dos companheiros. Seria uma confissão
de culpa imperdoável. Seria também muito menos grave do que de fato deve
ter ocorrido.
Acredito piamente e lamento mais ainda que ele não tenha mentido: o que fez foi mesmo substituir comentários por mais notícias. Em vez de um sujeito pernóstico deitando regras, o atual SBT prefere mostrar o flagrante da morte do frentista, o bebê que está bombando na internet ou o macaquinho dançarino.
Não me sinto vítima de nenhum tipo de retaliação nem mártir do jornalismo opinativo na TV. Infelizmente, sou apenas o representante de uma espécie em extinção: a do jornalista que tem opinião e por isso, goza de credibilidade. Em vez de rojões disparados por black blocs, Denise, Chagas e eu estamos sendo vitimados pela mordaça imposta em nome da prioridade da informação.
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