Quem é o Bandido?
Lembremo-nos, todos, daquela lenda da raposa que queria comer todas as
galinhas do galinheiro, sem dar tempo para que ocorresse nova safra; nem
queria saber que as galinhas vinham dos ovos e que isto leva algum
tempo; queria porque queria comer todas as galinhas; de repente, viu-se a
raposa sem ter o que comer e acabou definhando pela própria
imprevidência e insensatez.
Vemos na televisão todos os dias a indigitação de policiais pelos mais
variados e horrendos crimes que se possa cometer contra a pessoa humana.
A mídia passa-nos a impressão de que os bandidos é que são as vítimas e
que, em tudo onde a polícia entra para trabalhar, ela já está errada de
antemão. Antes de qualquer verificação sensata, transparente,
criteriosa, racional e com provas sólidas a mídia já bateu no traseiro
dos policiais. Passados alguns dias, as coisas começam a ter outra
versão, outros significados, outros rumos, outros responsáveis.
Mas a faca na carne já fez o estrago indelével. Tenho conhecimento de
policiais que, no mais lídimo cumprimento do dever, tiveram funestas
consequências para o resto de suas vidas; é só encomendar uma
estatística de quantas viúvas e órfãos de policiais existem no país; de
quantos policiais estão presos porque mataram bandidos que mataram e
espancaram tanta gente; de quantos policiais estão inválidos, doentes e
incapacitados para o trabalho, numa indigência que deveria revoltar a
todos; de quantos policiais abandonaram a profissão pelo desencanto e
decepções sem fim; de quantos policiais tornaram-se bandidos para serem
tratados com mais dignidade. Estas estatísticas fariam nós todos
tremermos pelo inusitado da situação e pela frouxidão das autoridades em
consentir no apodrecimento induzido de uma das mais necessárias
instituições, em detrimento do bem público e do privado.
Voltando à lenda da raposa, estamos assistindo o desmantelamento de
nossa polícia, pois que nenhum jovem de boa saúde moral e mental
interessará em seguir nesta profissão. A família barrará. E os poucos
que restarem não serão confiáveis. E quem sofrerá com isto? Toda a
sociedade. Evidentemente que não se defende, aqui, a idéia de que todos
os policiais são santinhos imaculados e benzidos. Sabemos que é grande o
contingente de péssimos e desumanos profissionais que atuam na área
policial. Mas não se pode aprovar o nivelamento de nossa polícia com o
que há de mais abjeto e desclassificado neste Brasil. Polícia é coisa
muito séria, e necessita da mais ampla colaboração da sociedade para o
pleno exercício de sua função. Pare por uns momentos e pense no
cotidiano de um policial nos grandes centros, notadamente Rio e São
Paulo. Pense no inferno que é a vida destes trabalhadores da vigilância
onde o coronelismo argentário, o império dos narco-milionários e a lei
do mais esperto fazem as regras e os costumes da região.
Pense, como
filho, quando o pai deixa a família à noite para defender a sociedade
dos bandidos e sanguinários, mafiosos e estupradores, pistoleiros e
vigaristas, filhinhos de papai e drogados. Ainda me causa frêmito e
melancolia o chôro de um garoto de 11 anos, ao chegar ao meu
consultório, trazendo o pai policial que foi atingindo por uma bala
bandida num dos olhos e com graves consequências visuais e neurológicas.
Para podermos dormir em paz, trabalhar em paz, divertir em paz e ter o
direito de ir e vir em paz, precisaremos muito de uma instituição
policial severamente preparada, corretamente remunerada e moralmente
elevada.
O bandido ainda não é a polícia.
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