Golpe frustrado
A tentativa de reabrir a discussão sobre a condenação de Bispo
Rodrigues para, a partir daí, permitir a revisão de penas de outros
condenados, especialmente a do ex-ministro José Dirceu, não terá efeitos
práticos por um detalhe técnico fundamental: Rodrigues foi condenado
por corrupção passiva, enquanto Dirceu o foi por corrupção ativa em
“delito continuado”.
Enquanto o então deputado do PL cometeu o crime apenas uma vez, e por
isso definir a ocasião em que isso se deu foi básico para saber qual
legislação deveria ser usada para sua condenação, Dirceu e outros
membros da cúpula política do PT cometeram várias vezes o crime de
corrupção ativa.
Dos nove crimes de corrupção ativa por que ele foi condenado, nada
menos que oito foram cometidos em 2003 e seriam puníveis pela lei
antiga, mais branda, alterada em novembro daquele ano. A pena mínima, em
vez de dois anos, era de um ano, e a máxima, de oito anos, em vez de
doze.
Se os ministros tivessem decidido pelo pedido do procurador-geral de
“concurso material”, cada um dos crimes teria sua pena própria, que se
somariam. Embora a maioria deles fosse enquadrada na lei mais branda, e
apenas um na mais pesada, a soma dos nove crimes superaria em muito a
pena final a que Dirceu foi condenado.
O advogado Antonio Carlos Almeida Castro, o Kakay, chegou a dizer na
ocasião que, se isso fosse mantido, Dirceu receberia uma pena a que nem
Fernandinho Beira-Mar fora condenado. Mas o plenário decidiu que houve
“crime continuado”, quando as penas não acumulam, e por isso a nova lei,
mais rigorosa, foi a base para a definição da pena, pois, de acordo com
a súmula 711 do Supremo, quando uma legislação mais dura substitui uma
anterior, ela é que deve ser utilizada para basear a pena de um delito
continuado.
Já no caso de Bispo Rodrigues, houve apenas um ato de corrupção
passiva, como salientou na sessão de quinta-feira o decano Celso de
Mello: “O Ministério Público, ao delimitar tematicamente a acusação,
imputou a esse réu a prática de corrupção passiva”, (...) mas não “o ato
de ele haver previamente solicitado ou acolhido a vantagem indevida”,
disse o ministro.
Para ele, o recebimento de propina por Bispo Rodrigues em dezembro de
2003 foi um “acontecimento independente”, não relacionado a uma
negociação anterior, que teria acertado o recebimento da vantagem, como
queria o ministro Ricardo Lewandowski.
A definição dos crimes de Dirceu e demais membros da “quadrilha” do
mensalão, inclusive os dirigentes petistas José Genoino e Delúbio
Soares, condenados por corrupção ativa, também independe da data da
morte do presidente do PTB em 2003, José Carlos Martinez.
Como ele morreu em outubro de 2003, os advogados de defesa,
amplificados por blogueiros ligados ao PT por ideologia ou pagamentos,
defendem a tese de que as condenações deveriam ter sido baseadas no
Código Penal mais brando, pois as negociações foram fechadas
forçosamente antes da entrada em vigor da nova legislação, em novembro
de 2003.
Com a tese da “continuidade delitiva”, essa data não tem a menor
importância, pois Dirceu e companhia continuaram na corrupção ativa
depois do prazo fatídico, como já foi dito anteriormente.
O interessante é relembrar que quem levou para o julgamento a súmula
711 foi o revisor Ricardo Lewandowski, no caso da condenação do lobista
Marcos Valério. O relator Joaquim Barbosa havia condenado Valério a uma
pena altíssima pelos nove crimes de corrupção ativa, mas o revisor
lembrou que poderia ser utilizada a súmula 711 para que fosse
caracterizada a “continuidade delitiva” com a utilização da pena mais
pesada do novo Código Penal, mas não o “concurso material”, que somaria
todas as penas.
Como se vê, são matérias já anteriormente debatidas e decididas, não
havendo, portanto, razão para retomá-las neste momento de embargos de
declaração. A atitude dos advogados de defesa pode ser entendida como
uma tentativa de postergar a decisão final. Mas um ministro do Supremo
não pode agir da mesma maneira.
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