O eleitor bolado

 


Dilma, Aécio e Campos, podem começar a treinar o “Lepo Lepo” – com dancinha sensual e tudo o mais

 RUTH DE AQUINO

O eleitor brasileiro está bolado. Não sabe mais em quem quer votar. É bem mais fácil encontrar quem diga “tudo menos Dilma” ou “tudo menos Aécio”. Nesta eleição das eleições, o grande campeão antecipado parece ser o voto da rejeição. A maior batalha do eleitor consciente é contra o oportunismo e as ilusões do marketing. Se o Brasil quiser mais tempo para debater os temas incluídos naquelas três letrinhas mágicas, IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), o melhor candidato é o segundo turno.

Até agora, na ressaca da Copa e no recesso sem-vergonha do Congresso, o eleitor só sabe que todos os candidatos prometem mudar. E que a coerência morreu. A presidente petista Dilma Rousseff anuncia que terá comitê evangélico e esquece que um dia defendeu o direito das mulheres ao aborto. Promete subir em todos os palanques. Quer ressuscitar o perfil satírico da Dilma Bolada, criado por um publicitário no Facebook, com o dobro de seguidores do perfil oficial.
O candidato tucano Aécio Neves defende o programa Mais Médicos e qualquer outro projeto que o aproxime do povão. Eduardo Campos, do PSB, tem duas caras- metades que nunca deram liga: Marina e Alckmin. Todos os candidatos prometem transparência, eficiência e mudança.
Dilma, Aécio e Campos são contra “os ativistas”, uma denominação que generaliza e empobrece os protestos legítimos de 2013. Elisa de Quadros Pinto Sanzi, a Sininho, não tem estofo para ser heroína nem vilã. Errática, aloprada, ela não representa quem lotou as ruas e acordou o PT de sua letargia e de seu distanciamento dos jovens. 

Ninguém me convencerá de que a Sininho é líder de nada. A moça jamais sonharia com tamanho status. “Mentora de toda a quadrilha”, segundo a polícia? Dizer que essa moça, Sininho, ameaça a democracia é levantar demais a bola dela. Ativistas arrependidos ajudaram a polícia a “montar o organograma do comando do grupo”? Menos, gente. Daqui a pouco, alguém falará em guerrilha.
À saída da penitenciária de Bangu, os amigos protegeram uma Sininho pululante de fotos. Como? Agrediram jornalistas e quebraram câmeras de repórteres fotográficos. Um enredo de quinta categoria do início ao fim. Há muitas outras maneiras menos espetaculosas e mais sensatas de impedir atentados à ordem urbana do que distribuir golpes de cassetete em moças de jeans. Ou algemar um bando de “ativistas”.
-  Era tão claro que eles receberiam o benefício do habeas corpus. Criar jovens mártires é uma atitude tão contraproducente e ingênua quanto pedir asilo no consulado do Uruguai. Uma bobagem só, que não merece manchete.
O novo eleitor, bolado com a repressão, a recessão e a violência, lê então na imprensa que os candidatos estão empenhados em atrair o voto da juventude. Dilma é a mais empenhada porque é na rapaziada que ela enfrenta a maior rejeição. Uma pesquisa do Datafolha mostrou que 45% dos jovens entre 16 e 24 anos dizem que não votariam em Dilma em hipótese alguma no primeiro turno. Segundo a mesma pesquisa, num eventual segundo turno, 46% dos eleitores de 16 a 24 anos votariam em Aécio, e 39% em Dilma.
Por que a estrela vermelha não cativa mais os jovens? Porque eles se sentem traídos por um partido que se dizia de esquerda, prometia lisura e ética e acabou aliado a José Sarney, Renan Calheiros, Fernando Collor e companhia. Se os jovens querem mudar “tudo isso que está aí”, como votar na continuidade do único governo que conhecem e que há 12 anos se mantém no poder? Eles eram crianças, tinham entre 4 e 12 anos, quando Lula foi eleito pela primeira vez. Para tirar proveito dessa fraqueza de Dilma, Aécio tem o apoio de um poderoso porta-voz. José Júnior, fundador e coordenador do AfroReggae, líder de projetos de inclusão entre a moçada da periferia, conversará com os jovens em nome dele.
Mais que o jovem, o eleitor cortejado é o povão, que não quer só eletrodoméstico, mas comida, educação, saúde e emprego. O perfil do eleitor bolado está no maior hit da Copa, o “Lepo Lepo”. Atenção, candidatos, decorem:
Ah, eu já não sei o que fazer/
Duro, pé-rapado e com o salário atrasado/
Ah, eu não tenho mais pra onde correr/
Já fui despejado, o banco levou o meu carro/
Eu não tenho carro, não tenho teto/
E se ficar comigo é porque gosta/
Do meu rá rá rá rá rá rá rá o lepo lepo/
É tão gostoso quando eu rá rá rá rá rá rá rá o lepo lepo.

O cantor, Márcio Victor, diz que o “Lepo Lepo” é “a música do povo, é o que o povo quer ouvir”. Dilma, Aécio e Campos, comecem a treinar o “Lepo Lepo”, com o gestual sensual e tudo o mais. Se perguntarem em algum debate televisivo, o ritmo é o arrochanejo. Mistura de arrocha com sertanejo, pagode e axé. A cara do Brasil. *

(*) RUTH DE AQUINO, Época