sexta-feira, janeiro 10, 2014
Míriam Martinho
Enquanto os portos brasileiros não
atendem à demanda, Cuba inaugura um, novinho, feito com
investimento do BNDES que é mantido sob sigilo pelo governo petista
Uma potência agrícola com portos tão inadequados é uma Ferrari com um
reles motor 1.0. A exuberância fica empacada. É o caso do Brasil. O
principal porto brasileiro, o de Santos, está assoreado e isso impede
que os cargueiros de última geração, que exigem profundidades superiores
a 14 metros, atraquem no terminal. As obras de dragagem ali
avançam, mas em ritmo cubano. Opa! Quem nos dera! Em Cuba, com dinheiro
do povo brasileiro, as obras de infraestrutura progridem velozmente.
Em 2014, o Brasil vai perder 22% da riqueza gerada pela maior safra de soja da história, de 55 milhões de toneladas. A
causa disso são os gargalos da infraestrutura portuária brasileira e-
da perda de carga em acidentes de caminhões nas péssimas estradas. Isso
significa que o governo brasileiro dedicou a essa questão a prioridade
máxima, investindo o máximo possível na melhoria das estradas e dos
portos brasileiros? Não. Apenas 7% dos 218 milhões de dólares
pré-vistos para ser investidos nos terminais brasileiros em 2013, ou
15,5 milhões de dólares, foram aplicados. O maior investimento
brasileiro em portos nos últimos anos foi feito onde? Em Cuba.
No fim de janeiro, a presidente Dilma Rousseff vai (foi) à ilha dos irmãos Castro inaugurar o Porto de Mariel.
O governo brasileiro investiu 682 milhões de dólares nos últimos três
anos na construção de um terminal em Cuba, onde a ditadura de Fidel e
Raul Castro, perdoem a repetição, vive sua fase terminal. O Porto de Mariel terá capacidade 30% superior à do Porto de Suape, o principal do Nordeste brasileiro.
O descalabro é obra de Lula. Foi no governo dele, em 2008, que o BNDES
decidiu financiar 71% do orçamento da construção do porto. Para
entendermos o senso de prioridade do governo do PT, o BNDES emprestou
aos cubanos três vezes mais do que destinou a melhorias e ampliações no
Porto de Suape desde a sua inauguração, em 1983. Cuba não pode esperar. O
Brasil pode.
Acrescente-se aos dados acima o fato de que o negócio com a ditadura cubana transcorreu sob segredo de Estado. Em
junho de 2012, o ministro Fernando Pimentel, do Desenvolvimento e
Comércio Exterior, classificou o conteúdo do contrato como "secreto",
com validade até 2027. A justificativa foi proteger "informações
estratégicas". Acabava de entrar em vigor a Lei de Acesso à Informação
quando Pimentel decidiu classificar o negócio com os cubanos como
secreto.
O BNDES financia obras de infra-estrutura em quinze países, mas
apenas três contratos — dois com Cuba e um com Angola — são considerados
secretos. Um documento arquivado na biblioteca do Senado antes da
blindagem feita por Pimentel e o relato de um funcionário público
familiarizado com 35 negociações em torno ao empréstimo para o Porto de
Mariel dão uma pista do tipo de informação que o governo tenta esconder.
A única garantia exigida pelo empréstimo foi a abertura de uma conta
em uma agência do Banco do Brasil nos Estados Unidos na qual Cuba se
compromete a manter um saldo equivalente a três parcelas do pagamento da
dívida com o Brasil, cujo desembolso começará apenas em 2017. Em
caso de atraso no pagamento, o Brasil teoricamente, poderia sacar os
valores da conta de Havana no BB. Teoricamente, pois os termos do
contrato secreto são desconhecidos e podem conter cláusulas ainda mais
favoráveis aos ditadores de Cuba. Por exemplo, o valor das três parcelas
pode ser irrisório.
A promessa dos cubanos é depositar na agência do BB nos Estados Unidos
parte da receita de suas exportações de açúcar. Como Cuba produz hoje
menos açúcar do que há 55 anos, quando os Castro substituíram a ditadura
de Fulgencio Batista pela deles, não há nenhuma garantia. Havana
pode simplesmente deixar de depositar o dinheiro. O porto estará
prontinho. E estará dado o calote — aliás, recorrente nos negócios com
Cuba. Nem ao falecido Hugo Chávez o Brasil ofereceu tanta
facilidade.
Uma das razões para não ter vingado a participação da
petroleira PDVSA na construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco,
foi o fato de o BNDES ter exigido que o venezuelano buscasse junto a
bancos privados as garantias necessárias para a liberação do crédito.
Chávez queria a mesma mamata dada pelo PT aos cubanos. Ofereceu dar como
garantia uma conta a ser abastecida com as divisas geradas pelas
exportações de petróleo. Não funcionou.
"Cuba é conhecida pêlos calotes. Os contribuintes brasileiros podem
considerar esse dinheiro como uma doação de seu governo para a
manutenção de uma ditadura", diz José Azei, professor do Instituto
de Estudos Cubano-Ameri-canos da Universidade de Miami. Em 2004, o
governo do México recorreu à Justiça italiana para embargar 40 milhões
de dólares de uma conta da empresa de telefonia de Cuba, na tentativa de
reaver parte de um empréstimo de 500 milhões de dólares. Em novembro
passado, o México acabou perdoando 70% da dívida e parcelou o saldo de
150 milhões de dólares em dez anos. O mesmo foi feito pelo Japão, que
abriu mão de 80% de uma dívida de 1,4 bilhão de dólares.
Cuba já pleiteia um novo empréstimo do Brasil. Desta vez para construir
uma zona industrial ao redor do Porto de Mariel. Em novembro passado,
Rodrigo Malmierca, ministro do Comércio Exterior cubano, esteve no
Brasil para convencer empresas brasileiras a se instalarem na ilha.
Malmierca prometeu isenção fiscal e o fim do confisco de metade do
salário pago aos trabalhadores — um dos itens da legislação escravocrata
implantada pêlos comunistas. Nenhuma empresa brasileira topou. Vai ver,
Malmierca já acertou tudo em segredo com o governo brasileiro.
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Fila em toda parte. Loja de sapatos do Exército em Camaguey, Cuba |
O monopólio dos militares
Em 2006, o total de empresas registradas em Cuba era de 3 519. Em
setembro passado, quando o Escritório Nacional de Estatísticas e
Informação de Cuba divulgou o mais atual levantamento empresarial da
ilha, apenas 2491 empreendimentos estavam com as portas abertas. Uma
redução de 29%. O fracasso da indústria, do comércio e do setor de
serviços nada tem a ver com o embargo americano, até porque nada impede
Cuba de fazer negócios com o restante do mundo. Trata-se, isso sim, do
resultado da crescente concentração das atividades econômicas nas mãos
de oficiais das Forças Armadas, um processo que começou em 1994, quando o
país comunista "se abriu" a investimentos externos. Como as empresas
estrangeiras não podiam ser 100% donas do negócio, associaram-se aos
militares.
Em 2012, as empresas das quais eles eram sócios ou únicos donos - desde lojas de roupas e sapatarias até a Almacenes Universales S.A,
que controla toda a importação e exportação de produtos - movimentaram
80% do PIB do país. A administração do Porto de Mariel será feita pela
Almacenes, que também será a sócia compulsória de quem se aventurar a
investir no parque industrial previsto para as proximidades. No Brasil, a
filial da empresa foi aberta em 2010 por Fidel Castro Puebla, que vive
no bairro dos Jardins, em São Paulo, e cujo nome é uma homenagem da mãe,
a general Esther Puebla, ao ditador cubano e ex-companheiro de
guerrilha. Sob o nome de Comercial Brasraf Importação e Exportação Ltda., a filial da Almacenes faz a intermediaçâo do comércio entre Brasil e Cuba.
Fonte: Veja, 08/01/2014, Leandro Coutinho
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